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A inscrição textual na música de câmara instrumental: uma proposta interpretativa

  • Intérprete: Dialecticae Piano Trio | Veronika Taraban: violino, Leonor Mateus: violoncelo, Francisco Costa: piano
  • Instrumento / Área: Música de Câmara
  • Orientador: Paulo Pacheco
  • Instituição: Escola Superior de Música de Lisboa
  • Programa:

    Władysław Żeleński | Trio op. 22- Mortuos plango
    Andante sostenuto

    Lili Boulanger | Trio para violino, violoncelo e piano
    D’un soir triste
    D’un matin de printemps

    [*gravação ao vivo no Concerto de abertura do Encontro Anual da European Chamber Music Teachers Association]

 
Władysław Żeleński | Trio op. 22 - Mortuos plango. Andante sostenuto
 
Lili Boulanger - D’un soir triste
 
Lili Boulanger - D’un matin de printemps

 

“(...) I don’t think you can speak about music.
You can only speak about a subjective reaction to it”.

(Barenboim & Said, 2004, p.123)

 

As obras interpretadas neste registo em vídeo foram escolhidas para esta formação de câmara – violino, violoncelo e piano – em função dos títulos inscritos pelos respetivos compositores. No processo de trabalho em grupo, a especulação sobre as inscrições textuais foi o mote para a exploração deste programa, como se de um guia interpretativo se tratasse. Nesta medida, e ao longo de vários meses de trabalho, a orientação desta formação de câmara passou por várias etapas de estudo onde a leitura, análise e diversas apresentações públicas foram moldando o discurso musical e suscitando um intenso debate na procura de uma “narrativa” comum para a sua comunicação em performance (recital). Uma das etapas mais difíceis para os alunos (com diferentes idades e passado musical, cultural e social), foi a incorporação em simultâneo do carácter de cada peça e experiência dos ambientes propostos por cada uma delas no mesmo grau de entendimento e perceção individual. Creio que o longo tempo de maturação em torno das peças veio esbater esta questão, mas o desafio foi constante num processo que, aliás, é eloquentemente descrito pelo pianista e pedagogo Miguel Henriques:

 

“The design, the personal way of ‘saying’ a musical work necessarily results from one’s identification with it. This process may take place in different dimensions and directions. The thinking behind a project may involve discussing all kinds of issues that can contextualize the musical object. However, the internalisation of its character materializes itself only by making it own, psychologically and emotionally ours: in obedience to our own taste, to our inner will, sound should emerge as a physical continuity of our own being” (Henriques, 2014, p.14).

 

 

Importa sublinhar que, no contexto de obras instrumentais de música de câmara – e, obviamente, noutras obras instrumentais – a ausência de um texto e/ou inscrição textual coloca ao intérprete uma maior complexidade na leitura da obra e, consequentemente, na perceção do resultado acústico e estético. Por outro lado, existem obras que contêm um “programa” que, implícito ou explícito, podem ser fulcrais para a indagação de um argumento interpretativo: a título de exemplo, a Balada op. 10, nº 1 para piano, de Johannes Brahms inclui o poema escocês “Edward” [1].

 

Trio op. 22 | Władysław Żeleński (1837-1921)

Mortuos plango (Andante sostenuto)

 

O compositor polaco Władysław Żeleński [2] dedicou grande parte da sua vida à composição de obras para formações de câmara. O trio em Mi maior para violino, violoncelo e piano, op. 22 foi composto em 1874 e compreende a inscrição de um título em latim, típico à época nos sinos de igreja. Este título prefixa o longo poema de Friedrich Schiller – publicado em 1799 e intitulado “Das Lied von der Glocke” [3] – em cada um dos três andamentos, respetivamente: "Vivos voco!", "Mortuos plango!", "Fulgura frango!" [4] 
Como um dos pontos de partida, a sugestão da inscrição do segundo andamento foi abordada em cada momento de orientação do grupo: a questão primordial seria a de identificar os elementos estruturais que pudessem direcionar o ouvinte para o respetivo ambiente.

Na leitura deste andamento, a indicação metronómica ("Andante sostenuto", colcheia = 66) e as indicações con gran espressione e espressivo molto, respetivamente no eixo do tema do piano (figura 1) e no eixo do tema do violoncelo (figura 2), remetem de imediato para uma escolha do tempo bastante lento e com ampla profundidade expressiva.

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Figura 1. [compassos 1 a 5]

 

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Figura 2. [compassos 12 a 16]

 

A dinâmica de piano e as indicações cantabile e sonore (respetivamente no início dos temas de violoncelo e violino) reforçam a ideia de um som denso e intenso. De sublinhar que o tema acima mencionado é secundado por uma voz interior insistentemente cromática e de registo grave realizado pelo piano (mão esquerda, figura 1). Neste âmbito, um outro detalhe rítmico de relevo – que acompanha as cordas na melodia principal em oitava e sempre portando – é a tercina em semicolcheias que infunde o tema num passo sereno e pesaroso (figura 3).

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Figura 3. [compassos 9 a 12] 

 

Não obstante a tonalidade de Dó maior (até à cadência do compasso 32), o lastro melódico, intervalar e rítmico da melodia principal que “identifica” o andamento é notoriamente triste e funesto. Esta carga expressiva é amplificada na secção seguinte (iniciada no compasso 33) pela amplitude intervalar da sétima maior, presente no novo tema projetado pelo piano – na tonalidade de Dó menor – e pela sétima menor na continuidade do referido tema apresentado pelo violino (figura 4).

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Figura 4. [compassos 34 a 36]

 

Com o intuito de sublinhar a relação intervalar supramencionada, o contraponto do violoncelo em semicolcheias pontua a tensão intervalar agora em segundas menores (intervalo invertido da sétima) com o piano e com o violino (figuras 5 e 6).

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Figura 5. [compassos 41 a 43]

 

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Figura 6. [compassos 44 a 46]

 

Em rigor, o curto desenvolvimento desta secção entre os compassos 49 e 55, evidencia a importância destes intervalos (introduzindo aqui o intervalo de quinta diminuta mormente no início do tema do piano e do violoncelo) em toda a textura que Żeleński preconiza no diálogo entre os três instrumentos (figuras 7 e 8). pic07

Figura 7. [compassos 49 a 51]

 

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Figura 8. [compassos 52 a 54]

 

A conclusão desta secção expande o carácter lamentoso deste tema com três elementos essenciais: o registo amplamente agudo das cordas, o crescendo contínuo da dinâmica e o ritmo “instável” sincopado no piano – oitavas entre as duas mãos no registo médio e grave – com um stringendo até à cadência que conduz o gesto melódico para a secção seguinte em Dó maior (figura 9).

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Figura 9. [compassos 62 a 70]

 

De seguida, o compositor polaco cria o principal ponto culminante do andamento, com uma técnica semelhante à anteriormente referida ao voltar ao tema incial: crescendo sempre até forte, melodia em oitava entre as cordas, com a presença do cromatismo no piano e contrapondo o ritmo tercina/duas semicolcheias no último crescendo (indicação de con gran forza) com o propósito de construir um amplo ponto de tensão ao nível acústico e harmónico que encerra num acorde de sétima, sustentado pelo tenuto numa fermata (figura 10).

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Figura 10. [compassos 91 a 104]

 

A secção conclusiva do andamento apresenta a melodia da segunda secção em pianíssimo – novamente em Dó maior – com inflexões ao quarto grau menor, gradativamente de um registo médio no piano para um registo grave no violoncelo, com a indicação de morendo sempre até ao ppp. O ambiente melancólico é inteligível e salienta o carácter soturno com que Żeleński pretendeu encerrar o discurso musical neste andamento (figura 11).

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Figura 11. [compassos 115 a 127]

 

Duas peças em trio para violino, violoncelo e piano | Lili Boulanger (1893-1918)

 

Marie-Juliette Olga Lili Boulanger foi a primeira mulher a conquistar o prémio de composição “Prix de Rome” em 1913. Apesar da morte prematura aos 24 anos devido a problemas originados por uma doença crónica precoce, a compositora francesa deixa uma obra ainda significativa para orquestra e coro, nomeadamente.
No âmbito da música de câmara, as duas peças em trio foram compostas por Lili Boulanger em 1917-18 (assim intituladas respetivamente na Edição Durand, 2007 | Paris, França – D. & F. 15697 e 15698) e estreadas na Société Nationale de Musique a 8 de fevereiro de 1919, sensivelmente onze meses após a sua morte [5].
De mencionar que existem algumas versões assinadas pela própria compositora para duo e orquestra [6]. Os dois andamentos registados neste vídeo são interpretados em conjunto, mas podem sê-lo de forma independente, como se depreende aliás pelo diferente número de registo da editora. Denota-se, porém, a similitude do principal gesto melódico que inicia cada uma das peças – respetivamente violoncelo e violino – o que pode pressupor uma certa ideia unificadora entre as mesmas por parte da compositora (figura 12).

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Figura 12. [D’un soir triste | compassos 1 a 6]

 

D’un soir triste

 

É sabido que Lili Boulanger se encontrava num estado de saúde debilitado e que este foi-se progressivamente deteriorando nos finais de 1917 e primeiros meses do ano seguinte – falecendo a 15 de Março de 1918. Não será, portanto, inapropriado relacionar a sua condição humana ao ambiente discursivo desta peça.
Neste sentido, é apropriado salientar os vários aspetos estruturais da sua escrita que sinalizam a intenção em comunicar um caráter que se possa coadunar com o título proposto.

Em primeiro lugar, a indicação de Lent, grave (ver figura 12) que assinala o cariz sério do “passo” lento dos acordes do piano e da longa linha austera apresentada e construída violoncelo durante vinte e nove compassos. Este motivo é também apresentado pelo piano, em diálogo durante sensivelmente oito compassos (figura 13). Desta forma, gera-se uma maior densidade no discurso musical e substancia-se o poco crescendo que amplia progressivamente do mezzo forte para o forte.

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Figura 13. [compassos 15 a 18]

 

Por último, o violino apresenta este motivo melódico sob a indicação de très sobre [7] – sustentado pelos valores longos do violoncelo (figura 14) – e desenvolve-o para um gesto mais amplo ao nível da dinâmica e da amplitude sonora (figura 15).
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Figura 14. [compassos 30 a 33]

 

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Figura 15. [compassos 38 a 40]

 

Numa secção posterior, Boulanger acentua o carácter lancinante deste longo momento inicial da peça com uma linha melódica ascendente iniciada pelo violino e continuada pelo violoncelo (respetivamente, figura 16 e figura 17). Saliente-se as indicações de dolent, douloureusement e douloureux [8] , que enfatizam a pungência do discurso musical.

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Figura 16. [compassos 54 a 56]

 

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Figura 17. [compassos 58 a 60]

 

Na secção central, é de relevar a indicação de comme une plainte [9], no contexto de uma indicação de andamento Plus lent, funèbre. Evidencie-se a acentuação no ritmo sincopado lançado pelo violino em resposta ao Dó grave e pesado do piano no compasso 95 (figura 18), gesto último esse que gravita em torno do gesto melódico do violoncelo (figura 19).

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Figura 18. [compassos 95 a 97]

 

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Figura 19. [compassos 102 a 104]

 

O quadro emocional que é patente nesta secção, é de novo reforçado pela recapitulação do tema principal: num registo mais grave apresentado pelas cordas, a indicação éteint, las [10] pretende veicular um “estado de espírito” exaurido. Aliás, em termos literários o termo las é frequentemente usado para adjetivar a fadiga psíquica e a extenuação emocional (figura 20).

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Figura 20. [compassos 148 e 149]

 

Em segundo lugar, e no que concerne a dinâmica, a construção temática conduzida por ambos os instrumentos de cordas – e pontualmente pelo piano – é direcionada para pontos culminantes em forte ou fortíssimo. Estes pontos culminantes incorporam momentos de extrema tensão quer pela relação intervalar de segundas menores e maiores (e inversão deste intervalo por via do registo) observadas verticalmente entre os três instrumentos, quer pela relação intervalar melódica em cada instrumento (figura 21).

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Figura 21. [compassos 61 a 63]

 

Na secção posterior que antecede (e prepara) a chegada a Plus lent, funèbre, Boulanger amplifica a tensão criada pelas relações intervalares acima referidas com um inquietante e frenético contraponto rítmico: sob o contraponto melódico imitativo entre o violoncelo e a oitava aguda do piano, é notório o gesto rítmico sincopado no violino em contraponto com a tercina da voz intermédia projetada pela mão direita do piano (figura 22). O resultado ritmicamente instável, acusticamente intenso e melodicamente tenso que é delineado nesta passagem, pretende transmitir um quadro emocional agoniante e desesperado.

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Figura 22. [compassos 87 a 89]

 

Por fim, na secção que recapitula o tema principal (referenciada na figura 20), a compositora francesa apresenta o ponto máximo enfatizando o motivo melódico com acentos num registo agudo no violoncelo e em oitava no violino; por seu turno, o piano projeta o extremo grave do registo (também em oitava) com particularidade de preservar o ritmo em tercina – no terceiro tempo – mormente usado na secção Plus lent, funèbre, já descrita na figura 18 (figura 23).
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Figura 23. [compassos 175 a 182]

 

Um outro aspeto estrutural a realçar na partitura é o da harmonia. Neste domínio, Lili Boulanger justapõe os intervalos de segundas menores e maiores presentes nos gestos melódicos (e respetivas inversões em função do registo de cada instrumento). Desta forma, cria uma tensão latente nos acordes e em cada gesto vertical notoriamente audível na textura do piano e no contraponto com as cordas. Embora os excertos anteriormente apresentados sejam disto um exemplo, expõe-se de seguida outras três passagens com mais detalhe (figuras 24, 25 e 26).

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Figura 24. [compassos 24 e 25]

 

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Figura 25. [compassos 49 a 51]

 

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Figura 26. [compassos 192 e 193]

 

É precisamente na justaposição e condução de todos os elementos estruturais aqui descritos que Lili Boulanger pretende transmitir um ambiente sombrio, pesaroso e frágil. Creio que a sugestão textual da noite triste é indissociável da mulher que vivia numa situação débil e humanamente efémera [11].

Que outras leituras poderão ser feitas conhecendo as circunstâncias em que vivia a compositora? Na sua escrita, os sinais que deixou podem ser argumentados de outra forma? Que espaço têm esses sinais estruturais para uma outra interpretação? [12]

 

D’un matin de printemps

 

Conforme referido anteriormente, a peça D’un matin de printemps incorpora o principal elemento melódico que consubstancia a peça D’un soir triste. Não obstante esse elemento unificador, o ambiente desta “manhã de primavera” é o oposto da primeira peça sendo, desde logo acentuado pela indicação metronómica (semínima = 144) do Assez animé (figura 27).
Neste sentido, as indicações de très rythmé, léger na parte de piano (juntamente com o pianissimo) e gai, léger na parte de violino com uma indicação de dinâmica em piano (exatamente a mesma indicação na parte de violoncelo no compasso 22), fazem adivinhar um carácter muito diferente da peça anterior.

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Figura 27. [compassos 1 a 8]

 

Em rigor, Lili Boulanger assinala mais duas passagens na parte de violino – gracieux | ardent, heureux – que dão uma pista inequívoca sobre o quadro emocional que tenciona veicular (figuras 28 e 29).

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Figura 28. [compassos 14 a 16]

 

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Figura 29. [compassos 68 a 70]

 

O violoncelo responde com um gesto semelhante nos compassos 26 e 72, respetivamente nas figuras 30 e 31.
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Figura 30. [compassos 25 a 27]

 

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Figura 31. [compassos 72 a 74]

 

Nestes quatro últimos exemplos, a textura do piano evidencia uma articulação em staccato e portato, bem como o ritmo em colcheias, nomeadamente, que contribuem para sublinhar um ambiente marcadamente leve, gracioso e mais brilhante.
Um outro excerto (figura 32) demonstra bem a importância desta textura (agora em fortissimo) que apoia o diálogo frenético entre as cordas.

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Figura 32. [compassos 174 a 177]

 

Esta é uma passagem quase replicada noutra dinâmica que prepara a vertiginosa coda final que se pode bem caracterizar por empolgante e arrebatadora (figura 33).

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Figura 33. [compassos 194 a 197]

 

Os contrastes estão bem identificados por Boulanger e os estados de espírito bem marcados pela interpretação do trio, quer pela subtileza do som lírico e expansivo, quer pela vivacidade da articulação do tema mais rítmico e pelo timbre mais vincado num discurso vibrante e excitante.

Para terminar, deixo uma palavra de agradecimento aos elementos do trio, não apenas pela tenacidade no estudo e pelo empenho em cada momento do processo de aprendizagem, mas sobretudo pela vontade de, concomitantemente, pensar e debater a música em grupo. Sem detrimento de abordar a partitura com rigor e respeito pelo texto musical, verificou-se determinação em aprofundar a compreensão das obras, que ultrapassou uma mera leitura de notas, dinâmicas ou articulações avulsas. Esta postura, aliada a um notável envolvimento físico e mental resultou numa interpretação coerente, una, sincera e extremamente convincente. Este deve ser, em última análise, o papel do intérprete quando pisa o palco como bem define o musicólogo Richard Taruskin:

“It seems a curious request to make of a performer, to ‘let the music speak for itself’. If a performer did not have the urge to participate in the music and, yes, to contribute to it, why then he wouldn’t have become a performer in the first place” (Taruskin, 1995:52).

 

[1] Consultar a seguintes fontes bibliográficas:
Gran, Jacob Joel, "Tonal and topical coherence in Brahms's op.10 ballades" (2014) 47-59. LSU Master's Theses. 1385. https://digitalcommons.lsu.edu/gradschool_theses/1385
Hastings, Charise Y. “The Performer’s Role: Storytelling in Ballades of Chopin and Brahms.” PhD diss., University of Michigan, 2006.

[2] Exerceu funções como pedagogo, maestro e pianista para além de ter recebido um Ph.D em Filosofia pela Universidade de Praga em 1862.

[3] Tradução livre do autor: A Canção do Sino

[4] Tradução livre do autor: Chamar os vivos! Chorar os mortos! Quebrar os relâmpagos!

[5] Peças interpretadas pela sua irmã Nadia Boulanger ao piano, Maurice Hayot (violino) e André Hekking (violoncelo).

[6] D’un matin de printemps: para piano e violino ou flauta (publicado pelas Edições Durand em 1922);
D’un soir triste: duo para violoncelo e piano (não publicado);
As versões orquestrais de ambas as peças foram adicionadas ao catálogo das Edições Durand em 1993 aquando das celebrações do centenário da compositora.

[7] Tradução livre do autor: “muito sóbrio”.

[8] Tradução livre do autor: “dolente”, “dolorosamente”, “doloroso”.

[9] Tradução livre do autor: “como uma queixa”

 [10] Tradução livre do autor: “apagado/extinto, cansado”

[11] A este respeito, o filósofo britânico Malcolm Budd (1992, p.109) refere-se a algumas teses que defendem a música como um “símbolo da emoção da vida” e não como um veículo dos sentimentos do próprio compositor.

[12] O capítulo de J. Peter Burkholder no livro Approaches to meaning in music (2006), propõe uma leitura mais aprofundada sobre um modelo relevante para, eventualmente, responder a essas questões.

 

Bibliografia

Almén, B., & Pearsall, E. (2006). Approaches to meaning in music. A simple model for associative musical meaning (pp. 76-106). Indiana University Press.

Barenboim, Daniel, e Edward W. Said (2004). Parallels and Paradoxes: Explorations in Music and Society. London: Bloomsbury Publishing.

Budd, Malcolm (1992). Music and the Emotions: The Philosophical Theories. London and New York: Routledge.

Kramer, Lawrence (2010). Interpreting music. University of California Press.

Henriques, Miguel G. (2014). The (Well) Informed Piano: Artistry and Knowledge. Lanham: University Press of America.

Taruskin, Richard (1995). Text and Act: Essays on Music and Performance. Oxford: Oxford University Press.